Em 1856, quando Mendel estabeleceu as leis da hereditariedade, seria impossível prever o desenvolvimento e as perspectivas da genética para este século, inclusive no Esporte. Recente, e resumidamente, vivenciamos no cenário internacional a discussão acerca dos alimentos transgênicos (1996), a clonagem da ovelha Dolly (1997), o seqüenciamento do genoma humano (2001), os estudos na área da proteômica (1998) e mais recentemente da metabolômica (2003), além das pesquisas focadas nas perspectivas em terapias gênicas para a cura de enfermidades humanas (desde 1990).
No Brasil, principalmente após a qualificação técnica oriunda do projeto de seqüenciamento da Xyllela fastidiosa (2000), a pesquisa genética adquiriu qualidade internacional, especialmente com relação à genética humana e médica, área na qual assinamos diversos artigos científicos em revistas internacionais relatando ineditismo na identificação e seqüenciamento de genes humanos responsáveis por doenças genéticas tais como câncer, distrofias musculares e doenças cárdio-vasculares dentre outras, além do desenvolvimento de técnicas laboratoriais inovadoras. Não obstante, o país se mostra na vanguarda científica diante da resolução do Supremo Tribunal de Justiça pela continuidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, sem perder o compromisso ético anteriormente estabelecido por meio da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (1996).
De fato as pesquisas visando terapias gênicas nacionais e internacionais, incluindo, células-tronco somáticas e embrionárias, prometem uma mudança no paradigma clínico quanto à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças humanas herdadas e adquiridas. Apesar de ainda estarem restritas a protocolos experimentais e distantes de políticas de saúde pública, consistem basicamente na introdução de genes ou células geneticamente modificadas nos tecidos humanos com o objetivo de bloquear a atividade de genes prejudiciais, ativar mecanismos de defesa imunológica, ou produzir moléculas de interesse terapêutico. Entretanto, desde 2001 tais pesquisas forneceram elementos que geraram um conflito rotulado por doping genético no Esporte em 2003.
Como discernir se a presença de atletas geneticamente modificados no esporte terá sido por terapia gênica ou doping genético? Na tentativa de resolver a questão a Agência Mundial Anti-Doping (WADA) tem disponibilizado verbas aos geneticistas interessados em pesquisar tecnologias anti-doping genéticos. Atualmente existem 144 projetos, alguns já concluídos e com resultados disponíveis, no portal da WADA.
Seria o momento de celebrarmos a interdisciplinaridade científica entre o Esporte e a Genética em prol do desenvolvimento científico e tecnológico se não houvesse o registro histórico do Programa de Genética e Biologia Humana realizado pelo Comitê organizador dos Jogos Olímpicos do México em 1968, com apoio da Comissão Nacional de Energia Nuclear Mexicana, do COI e da Federação Internacional de Medicina do Esporte cujos objetivos foram investigar: a) a genealogia esportiva dos atletas, b) os traços genéticos relacionados às habilidades esportivas, c) a interação entre genética e fatores ambientais envolvidos no treinamento, d) aplicar os resultados destas investigações na compreensão da biologia e da genética humana, e) aplicar os resultados à detecção de talentos esportivos.
Dentre os vários motivos especulativos que poderiam ser apontados para explicar a descontinuidade de projetos deste porte nas versões subseqüentes dos Jogos Olímpicos está a questão da eugenia, suscitada quando o assunto é direcionado para a detecção e seleção genética de talentos esportivos. Mas será que, diante da possibilidade concreta de modificações genéticas todos os pais de atletas e os próprios atletas desejariam modificar exatamente os mesmos genes? Ou será que haveria uma gama indetectável de modificações genéticas que poderiam promover aumento no desempenho esportivo?
O fato é que o incentivo ao desenvolvimento da pesquisa genética para além da mera busca por testes antidoping genéticos ofereceria, atualmente, maiores condições para responder às questões propostas pelo programa mexicano, auxiliaria no desenvolvimento de terapias gênicas para a medicina desportiva; colaboraria com o acompanhamento médico longitudinal de atletas visando um esquema antidoping preventivo considerando a variabilidade genética de cada atleta e; melhoraria a compreensão de processos genéticos envolvidos com a promoção e manutenção da saúde humana em geral.
Cada vez mais os pesquisadores brasileiros têm formação e competência técnica para auxiliar no resgate desta lacuna de pesquisa genética no Esporte e retirá-lo do conflito imposto pelo desenvolvimento desta tecnologia no Brasil e no Mundo. Falta apenas uma compreensão mais ampla da Genética humana e incentivo político.
Certo de que as perspectivas da genética modificarão a estrutura do Esporte da mesma maneira que as demais estruturas das sociedades, o filósofo britânico Andy Miah, da universidade de Glasgow e autor do livro Atletas geneticamente modificados (traduzido pela editora Phorte), contribui com uma reflexão filosófica questionando eticamente os valores do Esporte diante da inserção de atletas geneticamente modificados de forma intrigante, pois além de não encontrar argumentos éticos para se proibir as modificações genéticas nos atletas “Os argumentos éticos contra o uso do doping no esporte não têm a mesma força quando aplicados à modificação genética. Além disso, seria um erro categorizar melhoramento genético meramente como outra forma de doping, já que é, conceitualmente e culturalmente, um tipo diferente de tecnologia”, ele afirma que o Esporte precisa da modificação genética. Vale a pena conferir.
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